O diagnóstico de Depressão é feito com base no exame clínico do paciente: os sintomas referidos e a história pessoal e familiar são as principais fontes de informação que permitem ao médico experiente firmar o diagnóstico.
Apesar de toda a evolução, não existem exames laboratoriais ou complementares que possam dar o diagnóstico de Depressão. Os exames – sangue, urina, tomografia, ressonância magnética, eletroencefalograma, etc – são necessários para diferenciar a Depressão de outras doenças.
Pessoas que sintam alguns desses sintomas constantemente, com intensidade suficiente para comprometer sua vida social e laborativa devem procurar atendimento médico para investigação de uma Depressão. Dizemos provavelmente porque outras doenças como anemia ou distúrbios da tireóide podem trazer sintomas similares e caberá ao médico diferenciar os quadros.
Como em toda doença, existem os casos leves, os moderados e os graves, estes felizmente os mais raros. Os sintomas isolados podem se caracterizar por sua intensidade em leve, moderado ou grave. Os leves podem mais facilmente confundidos com reações normais, ao passo que os graves costumam ser facilmente reconhecidos.
PRINCIPAIS SINTOMAS:
1. Humor Triste
Muitas vezes o humor triste é confundido com a própria Depressão. O humor é a expressão da nossa capacidade de vivenciarmos as emoções sentidas em resposta aos eventos da vida, e conseqüentemente modular respostas comportamentais adequadas a nossos interesses. É a manifestação da interação com o meio, a forma como reagimos a tudo que nos cerca. Mesmo em condições normais, o humor pode estar irritado, ansioso, exaltado ou depressivo. Essas variações reativas aos eventos do dia-a-dia são normais. O anormal ou patológico é a manutenção de um estado de humor incompatível com as respostas adequadas aos eventos vitais.
A tristeza do paciente deprimido é mais intensa, duradoura e angustiante do que uma simples tristeza passageira devido a um aborrecimento. É como se uma intensa melancolia se apoderasse de todos os seus sentimentos, sem reação possível. Apenas ao fim de tal estado é possível ter a noção exata de sua intensidade. Somente quem já esteve deprimido pode conhecer exatamente tal condição. Quem nunca teve Depressão pode imaginar e compreender, mas jamais terá a noção exata desta tristeza.
2. Perda de Interesse e Prazer
Os sintomas de tristeza e perda do interesse e prazer em quase tudo, ou tudo mesmo, são os dois aspectos fundamentais para a identificação da Depressão. Sem ao menos um desses dois sintomas citados não existe Depressão. Os demais sintomas podem ser considerados quase coadjuvantes.
As pessoas têm uma vasta gama de interesses e prazeres, inclusive os mais simples e vitais, como comer e sexo. Encontros familiares, esportes, férias, atividades sociais, lazer são geralmente prazerosos. A possibilidade de que coisas aconteçam também evoca sensações prazerosas como o sentimento interno de esperança decorrente da perspectiva de eventos futuros agradáveis.
Muitos deprimidos perdem a capacidade de sentir esperança e sentem uma clara diminuição da capacidade de sentir prazer. Qualquer tipo de atividade passa a ser enfadonha e insatisfatória. Muitos perdem a capacidade de sentir e retribuir afeição, mesmo de pessoas próximas e queridas. O desejo e a resposta sexual também são comprometidos, independentemente da exposição aos diversos estímulos. A comida fica sem sabor. O deprimido sente-se apático e incapaz de interagir com o ambiente, com uma diminuição da vontade de ficar ou sentir-se próximo a outras pessoas. Muitos têm vontade de sumir. A vida fica sem cor, “… em preto e branco…”.
3. Perda de Energia (cansaço)
Os indivíduos sem Depressão apresentam uma sensação subjetiva de permanente curiosidade e de capacidade para a busca de atividades agradáveis. Quando algo nos interessa, nos sentimos capazes e com desejo para agir com determinado objetivo.
Pessoas com Depressão se sentem como se estivessem, “sem energia”. Queixam-se sempre de cansaço, qualquer atividade é um grande esforço, e simplesmente não podem continuar; o corpo está pesado ou “quebrado”. A dificuldade de concentração, de responder adequadamente aos estímulos ambientais e o retardo motor fazem parte deste quadro sintomático.
4. Alterações do Apetite e do Peso
Comer é um dos principais prazeres da vida para muitas pessoas. Alterações do apetite acompanham muitas doenças. No caso da Depressão, essas alterações podem ser de dois tipos: diminuição ou aumento do apetite.
A diminuição do apetite pode evoluir até a anorexia, com acentuada perda de peso. O paciente perde o prazer de comer. Todos os alimentos ficam sem gosto. Muitas vezes o paciente se esforça para alimentar-se, outras vezes alimenta-se apenas se há insistência de terceiros.
A situação oposta, de aumento do apetite ou hiperfagia também é muito comum. O paciente descreve um desejo quase que insaciável de alimentar-se. O ganho de peso é inevitável.
Alguns antidepressivos podem apresentar como efeito indesejável alterações de apetite, principalmente a hiperfagia. Esse é um dado importante a ser levado em consideração quando da escolha do medicamento em diversos casos.
5. Alterações no Sono
O sono é uma função cerebral superior, indispensável para a manutenção do bem-estar e da qualidade de vida dos indivíduos. É um estado normal, regular, recorrente e facilmente reversível do organismo, caracterizado por uma relativa quietude.
Queixas de insônia crônica e sono excessivo são freqüentes na clínica diária. Os transtornos do sono são muitas vezes associados aos transtornos mentais.
A insônia pode ser caracterizada tanto por dificuldade de adormecer quanto de se manter dormindo; ou ainda por má qualidade do sono. Há preocupação com a falta de sono e preocupação excessiva sobre suas conseqüências à noite e durante o dia. A quantidade e/ou qualidade insatisfatória de sono causa angústia marcante ou interfere com a capacidade social e laborativa do indivíduo.
Durante uma fase depressiva, alguns pacientes pegam facilmente no sono, mas apresentam um sono agitado e insônia terminal. Outros depressivos dormem excessivamente – hipersonia. Apesar de nem todas as pessoas com insônia terem Depressão, problemas no sono são freqüentes na Depressão e constituem um importante indício diagnóstico. Além da medicação antidepressiva, e eventualmente hipnótica, é possível utilizar medidas de higiene do sono para facilitar o repouso adequado.
6. Sintomas físicos
Episódios de desconforto físico (dificuldade para caminhar, vertigens, má digestão, etc) ou dores (de cabeça, musculares, nas costas, abdominais, etc) podem preceder ou acompanhar a Depressão. Apesar do incômodo, esses sintomas em geral são passageiros e podem desaparecer junto com os demais sintomas da síndrome depressiva com o tratamento adequado.
A disposição dos pacientes com Depressão a procurar ajuda médica varia bastante. Algumas pessoas consideram procurar ajuda ou queixar-se um sinal de fraqueza, e tendem a minimizar seus sintomas e problemas. Outros tendem a valorizar seus sintomas, acham que a Depressão é a “pior doença do mundo” e tendem a pedir ajuda a familiares, religiosos, médicos e amigos.
Muitas pessoas têm dificuldade de entender que têm uma doença com repercussões físicas, psíquicas e sociais, devido ao preconceito de serem rotuladas de “loucas”. Assim, tendem a valorizar os sintomas físicos em detrimento das alterações psíquicas, e procuram clínicos de diferentes especialidades, ao invés de psiquiatras.
7. Alterações nos Movimentos: Agitação ou Retardo Psicomotor
Todos temos um padrão individual de falar e de nos movimentarmos. Algumas pessoas são quietas, outras falam demais. Algumas são muito ativas e incansáveis, outras podem ficar sentadas horas, apenas contemplando a natureza e a vida.
Na Depressão frequentemente ocorrem alterações dos movimentos. Os pacientes podem apresentar lentidão motora ou aumento da freqüência e velocidade dos movimentos. Os quadros graves de retardo podem evoluir até o estupor, isto é, uma imobilização quase que absoluta, com extrema lentidão de movimentos. A aceleração pode abranger desde quadros de inquietação até, em formas mais intensas, de agitação psicomotora, com riscos para a integridade física de pacientes e terceiros.
8. Baixa Auto-Estima e Culpa
Em geral, a maioria das pessoas pensa positivamente sobre si mesmo. Sabemos que não somos extraordinariamente charmosos, nem incrivelmente inteligentes e ou temos uma beleza monumental, mas somos razoavelmente satisfeitos conosco. A maioria de nós tem consciência de nossos pontos fortes e fracos, e dos motivos que fazem outros se aproximarem ou afastar-se de nós. Apesar da idéia difundida principalmente pela imprensa, que muitas vezes valoriza as pessoas problemáticas como criativas, contestadoras e brilhantes, a grande maioria das pessoas, inclusive as mais brilhantes, é realista, disciplinada e muito bem adaptável, mesmo frente a circunstâncias adversas.
Quando alguém não consegue atingir seus objetivos, ou é rejeitado ou abandonado pelo(a) amado(a), isso pode resultar em sentimentos temporários de baixa auto-estima. Na maioria dos casos esses sentimentos não duram muito, fazem a pessoa amadurecer e são superados de forma construtiva.
A baixa auto-estima não é usualmente reconhecida como um dos sintomas mais comuns da Depressão. Os indivíduos deprimidos vêem o futuro de forma pessimista e são incapazes de responder positivamente, mesmo a estímulos favoráveis ou ao desempenho de atividades estimulantes. Assim, acham-se incapazes, incompetentes e fadados ao fracasso. Por vezes tenta-se explicar tais sentimentos a partir de mecanismos psicológicos, como por exemplo, resultantes de traumas infantis que deixariam seqüelas psicológicas permanentes.
O humor disfórico e o sentimento de desconforto que acompanha os quadros depressivos são muitas vezes acompanhados de emoções e pensamentos negativos sobre si mesmo. Podem se lamentar sobre seus fracassos, com sentimentos de baixo valor pessoal e autocrítica exacerbada. Esses sentimentos podem tornar-se tão intensos a ponto do paciente começar a não suportar a si próprio. Por vezes ficam assolados por culpa por possíveis erros passados. Passam a sentir que estão sendo justamente punidos, que outras punições virão, e que a morte seria melhor.
É difícil para pessoas que nunca tiveram Depressão compreenderem a gravidade desses sintomas. Quando o deprimido tenta dizer o que sente, como desabafo ou simples tentativa de compreensão, é criticado por familiares e amigos, que dizem ser exagero ou tentativa de chamar a atenção. Outras vezes simplesmente dizem para “esquecer, pensar em outra coisa”, como se isso fosse uma questão de escolha.
9. Dificuldade de Concentração
A nossa capacidade de concentração – manutenção da atenção voluntária – varia conforme o momento do dia, o cansaço, o interesse no tema e a presença de outros estímulos ambientais concomitantes. Os indivíduos com Depressão apresentam problemas relativos à sua capacidade de se concentrar, e conseqüentemente, seu funcionamento cognitivo ou mental (memória, raciocínio e capacidade de decidir). Como conseqüência, essas pessoas apresentam queixas de memória (quem não presta atenção adequadamente não consegue memorizar), ficam indecisas em relação a tudo (e, assim, mais suscetíveis às sugestões de outros), e com dificuldade para elaborar raciocínios mais complexos.
A dificuldade de decidir sobre situações importantes em nossas vidas é algo natural. Por exemplo, casar ou não, aceitar um novo emprego ou não são decisões normalmente difíceis. A indecisão do paciente com Depressão refere-se à dificuldade de decidir sobre todas as situações, como pequenos problemas do dia-a-dia, tais como a que horas deitar, o que comer, ou o que dizer quando lhe perguntam se está doente.
10. Dificuldades Sociais
Os indivíduos têm uma rede de relacionamentos familiares e afetivos, que envolve pessoas com as quais há uma mútua empatia em relação aos problemas e satisfações. Muitas das nossas alegrias e tristezas durante a vida são referentes aos parentes e amigos.
O comportamento do paciente deprimido é pessimista, irritado, triste, desinteressado, angustiado, e com tendência ao isolamento aos poucos afasta familiares e amigos. Além do comportamento do paciente deprimido não é facilitar o contato social, as famílias, mesmo aquelas com história de Depressão, geralmente não entendem a Depressão como uma doença. Alguns familiares tratam os pacientes deprimidos como se eles estivessem depressivos devido a uma “má vontade” ou fraqueza moral pessoal, como se a Depressão fosse apenas uma questão de ter ou não vontade de ficar bem. A Depressão é uma doença como qualquer outra, e muito mais forte do que a vontade. Portanto, exortações à superação do quadro com “força de vontade” não somente serão destituídas de efeito terapêutico como também reforçarão os sentimentos de culpa dos pacientes e os preconceitos dos circunstantes.
11. Uso e Abuso de Drogas
Drogas lícitas (álcool, tranquilizantes, etc) e ilícitas (cocaína, maconha, etc) são ocasionalmente utilizadas por pessoas com Depressão. Em alguns casos é impossível saber com certeza o que veio primeiro: é a Depressão que leva à busca de drogas que possam aliviar os sintomas; ou são as drogas que causam diretamente Depressão em alguns usuários? É provável que as duas situações estejam presentes conjuntamente na maioria dos casos. Os danos físicos e psíquicos do uso dessas drogas são agravados pela presença da Depressão. O risco de suicídio é maior em pacientes depressivos que abusam de drogas.
12. Dificuldades no Trabalho
Como resultado do desinteresse, das dificuldades de concentração e da capacidade de decidir diminuída, os pacientes com Depressão começam a ter dificuldades no trabalho. Muitos chegam a perder novas oportunidades ou mesmo o emprego. Os rendimentos quase sempre diminuem, o que aumenta a sensação de insegurança e o pessimismo.
13. Irritabilidade
Algumas pessoas pensam que a incapacidade de expressar irritação cause Depressão. Pensam que a Depressão é a irritação voltada para si próprio, como uma auto-agressão. Essa teoria ignora o fato de que nas Depressões, principalmente nos quadros leves, os indivíduos ficam mais irritáveis e hostis do que o usual. Nos casos de Depressão crônica com sintomas leves – chamada de distimia (veja capítulo 3) – muitos pacientes ficam reconhecidos pelo seu mau humor.
14. Distorção da Realidade
O humor dá o tom e colore o mundo ao redor. Quando nos sentimos anormalmente tristes, o mundo fica desagradável e monótono. Quando estamos alegres, o mundo fica agradável e muito interessante. A Depressão causa uma distorção constante na nossa capacidade de captar os aspectos positivos da realidade. Os problemas simples ficam extremamente complicados, todas as cores parecem iguais e, às vezes, o próprio prazer de viver desaparece. Quando estamos deprimidos, é mais fácil nos lembrarmos de episódios negativos de nossa vida, e de não acreditar em soluções para os problemas.
15. Ideação Suicida
Quando pensamos sobre o futuro, temos uma mistura de sentimentos. Ao associarmos o porvir a situações favoráveis passadas; temos uma sensação agradável de esperança e podemos ficar “sonhando acordados”. Esse sentimento favorável ajuda a dedicar-nos às tarefas do cotidiano com o intuito de atingirmos um objetivo.
Ao associarmos o futuro a situações difíceis e negativas, ficamos tensos e apreensivos. Esse sentimento é útil, porque nos permite que tomemos medidas preventivas e nos defendamos dos futuros problemas. Assim que descobrimos uma estratégia para a solução do problema, ficamos alegres e otimistas novamente.
O indivíduo com Depressão tem uma acentuada diminuição da capacidade para lembrar ou imaginar situações agradáveis. Quando pensa sobre o passado ou o futuro, só consegue ver pontos negativos, sob uma ótica pessimista. Os pacientes com Depressão muitas vezes não conseguem antever qualquer futuro.
Uma diminuição acentuada do otimismo pode levar ao suicídio. A ausência de esperança impede uma construção favorável de um futuro. Quando esses sentimentos ficam muito dolorosos e profundos, a morte passa a ser vista como um alívio do sofrimento e possível solução. A idéia que deixarão de ser um peso para a família pode estar associada.
O diálogo franco com o paciente sobre possíveis idéias ou planos suicidas não estimula quem não os têm. Pelo contrário, o paciente com tais intenções pode se sentir entendido e auxiliado, e muitas vezes um final trágico evitado.
16. Diminuição da Libido
A intensidade da libido ou desejo sexual, varia de pessoa a pessoa e de momento a momento. No entanto, sempre que determinados estímulos nos são apresentados, o nosso interesse sexual aflora.
Os pacientes com Depressão apresentam uma diminuição ou mesmo uma abolição da libido. Esse sintoma ainda pode ser prejudicado por alguns antidepressivos que têm efeitos adversos na área sexual, como impotência, retardo na ejaculação, e também pioram a libido. Quando isso ocorre, a melhora dos sintomas sexuais só surge quando o paciente já melhorou da Depressão e a medicação começa a ser diminuída.
O diagnóstico correto e preciso é fundamental para um bom tratamento e conseqüente resultado satisfatório. O diagnóstico de Depressão requer exame médico e psiquiátrico. Apenas um médico com amplos conhecimentos de medicina interna, e principalmente formação e experiência em psiquiatria é capaz de fazer com segurança esse diagnóstico.
Como exposto no início deste capítulo, não existe um exame laboratorial que possa dizer se alguém tem ou não Depressão. Os exames são utilizados para descartar outras enfermidades com sintomas semelhantes.
Apesar de muitas vezes um paciente com Depressão não ter outra doença, outras enfermidades concomitantes devem ser descartadas. Com este objetivo, o médico deve examinar o paciente a fim de observar sinais e pesquisar sintomas que podem se confundir com a Depressão; bem como outras doenças, que podem estar presentes independentemente do diagnóstico de Depressão.
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Autor: Antonio Egidio Nardi – Membro Titular da Academia Nacional de Medicina
Fonte: http://www.anm.org.br/conteudo_view.asp?id=2402&descricao=DEPRESS%C3%83O